Putin quer ser novo amigo da América Latina

Nos últimos anos, um grupo crescente de nações da América Central e do Sul tem se entusiasmado com os acenos do Kremlin
O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, que zombou da conversa de Donald Trump de construir um muro na fronteira e mandar a conta para o México, recusou o convite do presidente americano para jantar na Trump Tower, em Nova York. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, ainda não assimilou a ameaça de Washington de não certificar a Colômbia como ator confiável na guerra contra as drogas. E Pedro Pablo Kuczynski, presidente do Peru, vem insistindo em falar em “pontes”, não em muros.
Ok, o líder dos EUA ainda pode avaliar algumas queixas. No entanto, mesmo que Trump tente ser gentil com seus não tão distantes vizinhos, ele já ficou para trás no jogo diplomático. Não apenas em razão da China: o avanço de duas décadas da locomotiva asiática nos recursos e mercados do Novo Mundo é hoje parte da atualidade das Américas. O que ocorre é que uma ressurgente Rússia quer se tornar a nova melhor amiga da América Latina.
Os investimentos e comércio da Rússia na região são, na verdade, uma fração dos da China. Exceto por algumas esmaecidas memórias da Guerra Fria, o poder diplomático de Moscou é pouco relevante. Além disso, a autocracia de Vladimir Putin é antiquada para a região.
Mas a verdade é que a Rússia nunca deixou a geografia atrapalhar seu caminho. Assim, nos últimos anos, um grupo crescente de nações da América Central e do Sul tem se entusiasmado com os acenos do Kremlin. Se os clientes mundiais antes iam atrás de equipamento militar russo – algumas nações latino-americanas ainda fazem isso –, ultimamente, outro tipo de gentileza russa atrai clientes abaixo do Estreito da Flórida: dinheiro, engenharia e tecnologia energética.
A Nicarágua, comenta-se, estaria construindo uma estação de captação de informações por meio de satélites com tecnologia russa. Técnicos russos estão ajudando a Bolívia a montar uma instalação de pesquisas nucleares “com fins pacíficos”. E Moscou vem emprestando “em último recurso” para a Venezuela, como me disse Moisés Naím.
O presidente Nicolás Maduro está tão ansioso para receber a gigante russa do petróleo Rosneft que obrigou sua dócil Suprema Corte a passar por cima da Assembleia Nacional, controlada pela oposição, que até então tinha poder de veto sobre orçamentos e contratos. A Venezuela é hoje o maior fornecedor de petróleo para a Rosneft fora da Rússia e vem se beneficiando de “pagamentos antecipados” que a ajudam a administrar o serviço da dívida.
E não são apenas os camaradas da esquerdista “aliança bolivariana” que cortejam Moscou. A Rosneft está prospectando no Brasil e no México, ambos com governos de centro-direita. O presidente pró-mercado da Argentina, Mauricio Macri, gostou do interesse da Gazprom no maior mercado de gás de xisto da América Latina.
Os novos laços entre a Rússia e a América Latina podem ser menos uma reprise da Guerra Fria que uma pista de uma nova e complicada ordem mundial, em que poderes rivais disputam influência e aprovação internacional. Enquanto o avanço de Putin para o Ocidente vai muito além da zona de conforto russa, a América Latina tem facilitado as ambições de Moscou de voltar à cena global.
Execrada e isolada em consequência da anexação da Crimeia, a Rússia faz o jogo do mundo em desenvolvimento – aliás, é membro do Brics – em busca de apoio. Com poucas e notáveis exceções, a maioria dos governos da América Latina evita pressionar Moscou e, após a ofensiva de charme de Putin, em 2014, vários deles aderiram ao comércio bilateral para ajudar a Rússia a amortecer as sanções internacionais. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,putin-quer-ser-novo-amigo-da-america-latina,70002006670
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